Julius Patricius
2010-08-15 14:24:46 UTC
Luiz Fernando Veríssimo
Do Livro "A Velhinha de Taubaté"
"Uma cama larga, simbolizando o país. Sobre a cama, não me pergunte como, um reacionário, simbolizando as classes dominantes, sua mulher frívola e infiel, simbolizando a inconsciência nacional, e um doido, simbolizando um doido.
Fala o doido:
- Esse ruído...
- Que ruído? pergunta o reacionário.
- Debaixo da cama.
- Não ouvi ruído nenhum.
- Exatamente. Não é estranho? O jacaré está quieto.
- Que jacaré?
- O jacaré embaixo da cama.
A mulher frívola e infiel dá um grito abafado. O reacionário diz:
- Não há jacaré nenhum embaixo da cama.
O doido faz uma cara triunfante e pergunta:
- Se não há um jacaré embaixo da cama, então o que é que está em silêncio?
A lógica do argumento é inatacável. E, a julgar pelo tamanho do silêncio, o jacaré é enorme.
- Por que será que ele está quieto? Pergunta o reacionário.
- Não sei - diz o doido. A não ser que ele tenha comido alguém...
A mulher frívola e infiel leva as mãos à boca, mas deixa escapar um nome:
- Danilo!
- O quê? dizem o reacionário e o doido, juntos.
- Nada, nada...
Mas ela desaparece sob o lençol para chorar seu amante. Danilo, comido por um jacaré embaixo da cama! E com o pijama novo que ela lhe deu.
- O jacaré deve ter comido o comunista diz o reacionário.
- Que comunista?
- Tem sempre um comunista debaixo da cama.
- Depois eu é que sou doido... Não tem comunista nenhum embaixo da cama.
- Se o jacaré comeu, não tem mesmo.
- Só há uma maneira de sabermos o que realmente aconteceu diz o doido, sensatamente. Olharmos debaixo da cama.
Os dois espiam embaixo da cama e vêem um moço de pijama novo, que sorri sem jeito.
O reacionário endireita-se na cama e começa a refletir. Olha para o doido, depois olha para sua mulher que chora. Aos poucos, vai se dando conta da situação.
- Meu Deus! exclama.
- O quê? diz o doido, pensando que é com ele.
- O comunista comeu o jacaré!